sexta-feira, novembro 17, 2006

Descontinuidade e área ardida


Image Hosted by ImageShack
Um incêndio nos Estados Unidos

Muito se tem falado das razões pelas quais este ano ardeu uma área inferior à média e, sem retirar qualquer mérito a quem efectuou o combate e introduziu melhorias, cabe reflectir sobre a importância das descontinuidades geradas pelos incêndios dos últimos anos, acabando com o mito de que a redução verificada deriva apenas de factores humanos ou de alterações de política.

Embora não haja dados seguros, estima-se que Portugal perdeu cerca de 20% da sua área florestal numa dezena de anos, correspondendo a um quinto da totalidade das zonas verdes inventariadas.

Se considerarmos que os incêndios são, em última instância, circunscritos e não apagados, do que resulta a sua extinção por falta de matéria combustível, qualquer ajuda na circunscrição é de vital importância a existência de áreas previamente queimadas que sirvam de limite, actuando em conjunto com obstáculos tão variados como estradas, rios ou zonas de fraca combustão e difícil propagação.

Mesmo abstraindo de outros obstáculos, as áreas queimadas que servem de barreira têm uma capacidade de redução na propagação das chamas superior à percentagem que ocupam, facto que, sendo intuitivo, pode ser exemplificado através da experimentação e do recurso a estatísticas.

De uma forma simplista, imaginemos um quadrado com 10 metros de lado, correspondendo a 100 metros quadrados, dos quais 90% são áreas combustíveis e o restante será uma área incombustível, sendo que, sem qualquer obstáculo, um fogo consumirá a totalidade desta área.

Os 10 metros quadrados podem estar em qualquer posição, seja numa extremidade, onde o seu valor como barreira é nulo, valendo-se apenas a sí próprio, seja no meio, dividindo a restante área em duas e impedindo que um fogo de um lado transite para o outro.

Assim, pode-se fazer a média em relação ao efeito desta área na redução do total ardido, que irá desde os 10%, correspondendo a ela própria, até à quase totalidade, caso a ocorrência ocorra num pequeno espaço por ela isolado.

No entanto, e dado que a probabilidade de um incêndio é superior numa área combustível maior, a redução de áreas ardidas após uma devastação de 10% andará pelos 20 a 25%, se houver um número de ocorrências suficiente para atingir resultados médios resultantes de uma distribuição uniforme.

Portanto, nesta situação, um fogo consumirá, em média, menos de 50%, já considerando que na área maior haverá maior probabilidade de uma ocorrência do que resulta uma substancial redução relativamente à experiência anterior, na qual a totalidade do quadrado seria consumida.

Se de 10% passarmos para 20% de área queimada que sirva de barreira, no mesmo quadrado teremos uma vintena de metros quadrados que poderá isolar, por exemplo quatro áreas, de modo a que apenas uma delas seja atingida por um fogo.

Mais uma vez, dependendo do posicionamento das barreira, que consideramos aleatório, serão obtidos resultados diferentes, mas a probabilidade de propagação cairá para menos de metade e dos 100 metros quadrados, poderão arder uns 20 a 30%.

Temos pois que o efeito das áreas ardidas na contenção de incêndios, mesmo sem considerar outros obstáculos naturais, aumenta não proporcionalmente, mas exponencialmente, sendo que, estatisticamente, a uma percentagem de 30% de área ardida corresponde uma possibilidade de propagação de incêndios extremamente baixa.

Esta é uma das explicações possíveis para o muito menor número de incêndios e, por outro lado, para o facto dessa redução não se verificar nos parques naturais, antes pouco atingidos pelas chamas.

Em conjunto com a abordagem relativa aos efeitos meteorológicos, estas permissas deverão ser incluidas numa fórmula de cálculo que permita avaliar do sucesso no combate aos incêndios, a qual não pode continuar a basear-se redutoramente apenas na aritmética simples da soma da área queimada.

Sem comentários: