Auto-estrada portuguesa
A sucessão de anúncios de medidas casuísticas, de carácter economicista, sem obedecer a um plano de reordenamento do território, começa a tornar-se uma norma, com consequências ainda difíceis de prever, mas que, teme-se, sejam desastrosas para as populações mais directamente afectadas.
Após as alterações propostas à Lei das Finanças Locais, que visam resolver um problema financeiro, mas surge como desenquadrada de um plano mais vasto de redefenição de competências e ordenamento do território, que terá de ser feita rapidamente numa perspectiva de inclusão e de solidariedade nacional, a proposta de introdução de portagens em troços de auto-estrada até hoje sem custos para o utilizador, surge como mais uma medida avulsa onde os estudos foram apenas efectuados numa restrita vertente financeira.
Sendo, por princípio, contra o conceito de SCUT, parece que, por um lado, as contas não estarão correctas e, por outro, os efeitos financeiros poderão não estar devidamente contabilizados, podendo esta medida originar um conjunto de efeitos perversos que estarão a ser pouco discutidos.
A implementação de portagens em alguns troços das SCUT parece ser suportada num conjunto de estudos, com resultados contraditórios, encomendados pelo
Governo a diversas empresas, entre as quais uma fundada pelo adjunto do actual secretário de Estado do ministério da tutela.
Para além de pouco abonatório para a credibilidade do mesmo, sobretudo se atentarmos ao facto de a adjudicação do trabalho ter resultado de um ajuste directo e não de um concurso público, o facto de o resultado final coincidir com os interesses do
Governo levanta um clima de suspeição, carecendo de uma explicação quanto ao invulgar método de selecção da empresa em causa.
Mas o próprio resultado é discutível se atentarmos aos critério utilizados e que estabelecem que a medição do tempo passa a ser calculada do ponto central de cada localidade de origem e de destino e não apenas do trajecto realizado em estrada fora dos limites urbanos, acaba por tornar inevitáveis os resultados desejados.
Fazendo variar o ponto inicial e final, permite facilmente esbater o efeito do percurso fora de estrada, cujo valor na equação diminui de forma ponderada, criando a ilusão de que a alteração é, na verdade, menos penalizadora do que realmente é.
Desta forma, inverte-se o processo e parte-se do resultado pretendido, estabelecendo depois as permissas e as variáveis que levarão a equação a, inevitavelmente, confirmar aquilo que nunca seria uma surpresa.
Com esta simples alteração, e como o tempo dentro das localidades é constante, independentemente do trajecto fora delas, é fácil atingir ou ultrapassar os 30% propostos em percursos pequenos desde que envolvam partida e chegada em cidades de dimensão pelo menos média ou com um trânsito algo complicado.
Assim se compreende que é possível um aumento de, por exemplo, 50% no tempo de trajecto fora das localidades poder, após ponderado com aquele que se efectua no interior, resultar num aumento total inferior a 30% desde o centro de uma localidade ao de outra, validando assim uma alternativa viária que de outra forma estaria fora dos critérios governamentais.
Surgem, no entanto, algumas questões adicionais, difícil de equacionar, entre as quais a que está relacionada com a segurança em autoestrada e numa normal estrada nacional, que será a escolha de muitos utentes que optam por não pagar as portagens.
Neste caso, as estatísticas que apontam para uma maior segurança nas autoestradas deviam ser tidas em conta, calculando se o custo humano e material dos acidentes justificarão o acréscimo de receitas directas, das quais serão, naturalmente, descontados os prejuizos resultantes de um provável aumento de acidentes, com as consequências que todos intuimos, mas nenhuma estatística revela na totalidade.
O próprio socorro aos sinistrados, que terá de efectuar-se através estradas congestionadas onde ocorrerão a maior parte dos acidentes, irá confrontar-se com as demoras sofridas pelos veículos de emergência que, cumulativamente, se irão deparar com um cada vez maior número de serviços de urgência encerrados e cujos efeito cumulativo presumo não ter sido equacionado.
Mas também a diminuição da produtividade, resultante de maiores demoras nos trajectos, de que reulta uma maior fadiga, deverá ser devidamente equacionada, pois a tal corresponde um menor lucro das empresas e, consequentemente, uma diminuição local da receita fiscal, isto admitindo que não haverá encerramentos ou mudanças para áreas com acessos menos onerosos.
Outros efeitos, igualmente negativos, podem ser equacionados, mas este pequeno conjunto serve de alerta para possíveis consequências de um conjunto de estudos contraditórios e baseados em permissas que permitem manipular os resultados de acordo com os interesses de quem os encomenda.
Falta, portanto, conhecer não apenas a aritmética fácil resultante de alguns somatórios, mas projectar o efeito em todas as áreas que são afectadas, de forma a conhecer os verdadeiros benefícios, caso existam, desta medida completamente desenquadrada do planeamento e do reordenamento do território, algo que tem sido esquecido por sucessivos governos.