Uma armadilha que nos afecta a todos
Com o poder político a recusar parte das medidas de combate à corrupção, entre suspeitas que assolam diversas autarquias, há questões prementes para as quais não se encontra resposta.
Torna-se cada vez mais evidente que o principal problema financeiro deste País não é o da fuga aos impostos, mas o da corrupção que permite negócios paralelos e decisões particularmente lesivas não só para os interesses do Estado, mas para o cidadão como indivíduo.
Mesmo que formalmente correctos, muitos dos acordos e negócios em que participam o Estado, entidades dele dependentes ou as autarquias acabam por ser extraordinariamente lesivos do interesse público, prejudicando gravemente e em milhões de euros os contribuintes, que acabam por pagar uma segunda vez, através do aumento da carga fiscal, estes sucessivos desaires.
É difícil apurar os montantes que o País perde anualmente em função da corrupção, dos interesses instalados ou da participação ilícita em negócios, da troca de favores ou do recurso a influências e conhecimentos que favorecem ou impoem soluções lesivas para todos, do que resulta um empolamento ou uma derrapagem constante nos custos de adjudicações de serviços, de empreitadas ou de obras públicas, sem que haja uma efectiva responsabilização de quem permite que estas situações se eternizem e multipliquem.
A corrupção, que, nas suas múltiplas formas, que pode ir desde o simples favor, aparentemente inofensivo, até ao pagamento ilícito, não temos dúvidas é muito superior do que está estimada, sendo particularmente complexa de detectar e investigar porque é o tipo de crime onde ambos os envolvidos são beneficiados em prejuizo de um terceiro que, normalmente, nem se apercebe que foi lesado.
Provavelmente, com base em projecções num pequeno número de investigações devidamente aprofundadas realizadas num conjunto restrito de entidades, será possível concluir qual o real impacto deste tipo de crimes que são, em grande parte, responsáveis pelo atraso económico do País.
Se a estes resultados adicionarmos as consequências resultantes de todas as contratações que decorrem de "
conhecimentos pessoais", que as estatísticas colocam nos 30%, mas que, pelo facto de não se distribuirem de forma uniforme pelos cargos ou funções a desempenhar e se concentrarem nos mais importantes ou influentes, numa negação de critérios objectivos de mérito, podemos facilmente imaginar que cerca de metade das decisões que irão influir no nosso futuro poderão não ter sido as melhores.
Cartaz de luta anti-corrupção
O desinteresse pela política, o alheamento de muitos pelos assuntos da governação, de que resultam taxas de abstenção elevadas e comportamentos civicamente reprováveis, são tanto causa como consequência de uma sociedade onde o mérito é secundarizado e o esforço menorizado.
Obviamente, este tráfico de pequenos favores tende a generalizar-se, pois os injustamente preteridos hoje, terão a inclinação para usar os mesmos métodos no futuro, dada a sensação de injustiça que resultou de uma decisão influenciada por factores externos, onde o mérito foi secundarizado.
Aliás, para o cidadão anónimo, basta contactar uma entidade governativa, com uma
proposta ou sugestão que pretenda seja um contributo para a resolução de um qualquer problema e esperar pela resposta, para que se aperceba da necessidade de um contacto que encaminhe a missiva, sem o que esta acabará, inevitavelmente, ignorada.
Surge, no entanto, aquilo a que podemos chamar "
má corrupção" protagonizada por títulares de cargos públicos, e a "
boa corrupção", praticada pelo cidadão comum, o mesmo que se considera de uma honestidade exemplar, que surge como desculpável, seja a nível ético, seja criminal.
Desta dualidade de critérios, que resulta de uma manifesta e desculpabilizadora desonestidade intelectual, nasce uma manifesta incoerência que, nas alturas decisivas, tolhe o poder legislativo, numa paralisia que encontra uma compreensão que toca as raias da cumplicidade na própria opinião pública.
Daí, que questões como o enriquecimento ilícito, que podemos associar a um injustificado aumento do património pessoal, acabe por ser apenas a face mais visível de uma triste realidade, transversal à sociedade, que apenas pode ser tomado como um exemplo extremo de uma prática demasiadamente comum.
Com maior empenho no combate efectivo à corrupção, nas suas diversas vertentes, mesmo aquelas que, de tão habituados que estamos tendemos a encarar com normalidade, as despesas efectivas do funcionamento do Estado baixariam, sem dúvida, mais do que o montante de receitas proveniente de um aumento da carga fiscal que tende a paralisar a actividade económica e a impedir o sucesso das reformas em curso.
Dificilmente medidas de grande impacto, como a revisão das leis laborais, redefenição do papel do Estado, combate contra a burocracia, ou tantas outras que podiam ser citadas, terão real impacto enquanto a corrupção, sobretudo a que, discretamente, se traduz no tráfico de influências, não for substancialmente reduzida.
No entanto, esta redução, só acontecerá quando houver uma condenação social que a torne reprovável aos olhos de todos, algo que só ocorrerá aquando da sua substituição por critérios objectivos de mérito pessoal os quais são, actualmente insuficientes como meio ou critério de promoção.
Temos, assim, criado um círculo vicioso que parece ser impossível de interromper, dado ser da inteira conveniencia dos que, pela sua capacidade de decisão, acabam por ser os principais beneficiados por uma situação que prejudica seriamente o desenvolvimento do País.
Lamenta-se, pois, que o equilibrio orçamental se centre, essencialmente, numa vertente fiscal que, sendo justa, não pode, só por sí, alcançar os resultados pretendidos, enquanto se negligencia uma realidade que, essa sim, é muito mais insidiosa e presente do que muitos querem admitir.
Só resta, realmente, perguntar quanto custa esquecer a corrupção?