segunda-feira, maio 15, 2006

Formação evitaria mortes de bombeiros nos incêndios


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Um dos muitos incêndios florestais ocorridos em 2005

A maioria dos bombeiros desconhece o comportamento do fogo, segundo Xavier Viegas, que estuda há mais de 15 anos os incêndios florestais.

Para este investigador, a aposta na formação e a criação de uma efectiva cultura de segurança evitariam acidentes e mortes, lembrando que só em 2005, 12 homens perderam a vida no combate às chamas.

Os desastres seriam, pois, evitáveis, mas não é só o desconhecimento que os bombeiros têm das manhas do "inimigo" que estão em causa.

Xavier Viegas denuncia também um factor de voluntarismo por parte dos bombeiros, "armados em 'rambos' e movidos por uma adrenalina que pode ser prejudicial", embora, na nossa opinião, tal atitude possa sobretudo derivar de outros factores que vão desde o stress até a um excessivo cansaço.

Como se não bastassem estes factores, há falhas na hora de apurar responsabilidades e tirar ilações do que aconteceu e "tenta-se varrer tudo para debaixo do tapete", evitando assim que se aprenda com os erros, os quais têm tendencia a repetir-se.

"Nos acidentes que investiguei constatei que se devem ao comportamento eruptivo do fogo, situação que a maioria dos bombeiros não sabe identificar", disse ao Diário de Notícias o professor da Universidade de Coimbra e responsável pelo Centro de Estudos Sobre Incêndios Florestais.

Segundo este especialista, ao desconhecer estes factos, os bombeiros não se previnem, colocam-se em risco na frente de fogo e ficam vulneráveis aos acidentes. Não sabem preveni-lo mas dão-lhe um nome, o de "efeito chaminé".

Xavier Viegas diz ainda que a própria doutrina de combate aposta em "atacar a cabeça do fogo ou rodeá-lo", abordagem que, nalgumas situações, pode, e tem, saido cara.

Para evitar a repetição destes acidentes, diz ,"é preciso apostar na formação", tal como temos afirmado, e que deve abranger muito mais do que o simples combate aos incêndios.

O investigador defende ainda que seja "obrigatório fazer uma investigação sempre que há um acidente envolvendo mortos ou feridos".

O Serviço Nacional de Bombeiros e Protecção Civil (SNBPC) responde que "os acidentes com bombeiros nos incêndios florestais são objecto de relatório inicial efectuado pelos comandantes distritais", mas que em casos específicos, pode ser instruído um inquérito pelo Gabinete de Inspecção a despacho da presidência.

Para evitar a repetição dos acidentes, dos processos de inquérito retiram-se conclusões que são transpostas em recomendações que "são divulgadas pelos corpos de bombeiros".

Opinião completamente diferente têm os representantes dos bombeiros, com Duarte Caldeira, da Liga de Bombeiros Portugueses, que afirma desconhecer esses relatórios e deixa a questão: "O que foi feito para evitar que esses acidentes se repitam?"

Quando se repetem, diz Xavier Viegas, procura-se arranjar maneira de desculpabilizar: "Era o fado, estava no local errado, foi uma fatalidade", enquanto defende análises construtivas, "não para culpar mas para impedir que o erro se repita".

A forma como foi conduzida a investigação do acidente de Mortágua, onde há um ano morreram quatro bombeiros, que já vai na segunda comissão de inquérito, é a prova de que estes não são uma prática corrente, verificando-se que houve críticas de falta de transparência, de pressões e de muitas distorções.

Paulo Jesus, presidente da Associação Portuguesa dos Bombeiros Voluntários, refere os comportamentos de risco que devem ser evitados: bombeiros a combater de T-shirt, viaturas sem condições de segurança e homens que arriscam de mais.

Lemas como "podemos não voltar, mas vamos" são o espelho da atitude que não se deve tomar, com Xavier Viegas a defender mesmo até a existência de um oficial de segurança, responsável por verificar as regras de protecção.

Ainda ontem referimos a questão do apoio médico e da necessidade de uma avaliação constante, sobretudo a nível psicológico, de modo a detectar problemas que poderão ser quase imperceptíveis em testes de rotina feitas em Centros de Saúde por pessoal não especializado.

Mas a avaliação psicológica, que devia ter lugar no próprio processo de admissão, também se destina a evitar riscos excessivos, que podem resultar quer de um excesso de confiança, quer de um excessivo desgaste, agravado pelas consequências da perda de colegas ou amigos, e que pode levar a acções quase suicidas.

Para além das várias propostas que temos feito, a necessidade de uma avaliação psicológica, que deverá ser supervisionada por um núcleo de especialistas, eventualmente acompanhado em trabalhos de campo por estudantes das faculdades de Psicologia, parece-nos tão fundamental como o treino e o reequipamento das corporações.

Apesar da falta de voluntários, e por muito impopular que tal possa parecer, uma rigorosa avaliação de cada bombeiro após cada época de incêndios ou outros periodos de maior tensão, bem como na sequência de experiências especialmente traumáticas, deverá tornar-se obrigatória, de modo a proteger os próprios e as populações que defendem, evitando assim alguns dos graves acidentes que se têm verificado.

Temos vindo a insistir na formação, quer de voluntários, quer de profissionais, mas não podemos descurar o facto de ser necessário avaliar com rigor e objectividade não apenas a preparação técnica, mas todos os requisitos que permitem a cada bombeiro desempenhar as suas funções com um mínimo de riscos, para o que é necessário um acompanhamento individual especializado.

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