quarta-feira, janeiro 03, 2007

O silêncio dos inquéritos


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O silêncio continua a ser imposto a muitas comissões

Sempre que se verifica um acidente com vítimas mortais, é norma que se proceda a um inquérito no sentido não apenas de apurar responsabilidades, mas também de corrigir eventuais erros que tenham contribuido para o trágico desfecho.

Esta prática verificou-se, por exemplo, quando faleceram seis bombeiros em Famalicão da Serra, mas também como resultado das mais diversas situações, que podem ir desde casos de violência doméstica nos quais não houve intervenção das autoridades, apesar de alertadas, ou, como sucedeu recentemente, devido à falta de assistência eficaz durante um naufrágio.

No entanto, se por um lado há uma óbvia pressa em dar instruções para que os inquéritos se realizem, pouco empenho existe na exigência de um prazo aceitável para a sua conclusão e, menos ainda, no sentido de estes serem credíveis, derrotando assim o propósito destes e convertendo-os numa mera tentativa de branqueamento de um conjunto de erros ou negligências.

Há poucos dias comentamos as conclusões do relatório sobre o acidente com o Beriev Be-200, um dos poucos que vieram à luz num País onde os inquéritos se sucedem de forma inconsequente, apontando para um conjunto de resultados que nos parecem inaceitáveis dado menorizarem a negligência ocorrida durante o planeamento dos voos.

Também se verificam situações em que os inquéritos são sucessivamente repetidos, até que as conclusões sejam compatíveis com o conjunto de interesses instalados, sendo disso exemplo o sucedido com a investigação à morte de quatro bombeiros sapadores de Coimbra.

Lamentavelmente, eventuais responsabilidades acabam por recair na base da pirâmide hierárquica, ou seja, sobre aqueles que, submetidos a regras e procedimentos inadequados, dotados de material, equipamentos e, muitas vezes, treino insuficientes, arriscaram a própria vida numa missão cujos fracasso estava determinado por um conjunto de circunstâncias e condicionalismos a que os operacionais são alheios.

Este tem sido, lamentavelmente, o resultado típico dos inquéritos realizados em Portugal, conduzidos por quem depende funcional e organicamente de quem é, de forma directa ou indirecta, visado pelos resultados, facto que compromete a sua objectividade.

De forma idêntica, podemos criticar seja as comissões parlamentares, submetidas ao controle e à vontade da maioria que resultou do último acto eleitoral, ou mesmo das entidades reguladoras, cuja composição depende do Governo resultante dessa mesma maioria.

Temos, portanto, uma evidente falta de objectividade, do que resulta a rejeição dos resultados dos inquéritos, seja pelo seu conteúdo, seja pela suspeição levantada pela dependência de quem os realiza do próprio poder político, considerado como capaz de manipular a composição das comissões em função dos resultados pretendidos.

É também imperativo que sejam implementados processos de fiscalização externos, com uma responsabilização efectiva das comissões em casos de incumprimento ou de falha grave, e com as devidas consequências para quem, utilizando uma faculdade especial que lhe é concedida, tente manipular os resultados do inquérito.

Desta forma, sem que os inquéritos passem para a responsabilidade de comissões independentes, formadas por peritos e, eventualmente, por cidadãos, escolhidos tal como acontece com os jurados que desempenham funções nos tribunais, a qualidade ou falta dela passa para um segundo plano, secundarizada pela inexistência de confiança nos resultados publicamente divulgados.

Num País que se diz livre, continua a haver assuntos sobre os quais dificilmente se pode falar.

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