Após um período de secretismo, alegadamente para não prejudicar negociações em curso, o Governo desistiu da anuniciada aquisição dos aviões de combate a incêndios florestais Beriev Be-200 no âmbito da negociação da dívida da Federação Russa para com Portugal.
Em consequência, o processo de aquisição dos novos meios aéreos pesados incluirá um concurso internacional onde poderá participar, para além do Be-200, qualquer dos modelos que estejam disponíveis no mercado.
Com a preparação do caderno de encargos ainda por iniciar e a necessidade de auscultar o Serviço Nacional de Bombeiros e Protecção Civil, prevê-se que só no início da época de incêndios possa ser lançado o processo, sendo impossível concluí-lo a tempo de dispor de meios próprios para a campanha deste ano.
Dado que os aparelhos que concorrem serão o Be-200 e o Canadair CL-415, de origem canadiana, ambos conhecidos em Portugal após testes no primeiro caso e anos de operação no segundo, as especificações constantes do caderno de encargos podem, logo à priori, apontar no sentido de um ou outro modelo.
Aliás, basta impor no caderno de encargos, por exemplo, uma capacidade de transporte de água superior ao possível pelos Canadair para que o vencedor seja o Beriev ou, em oposição, exigir que possa operar numa distância mais curta para que a escolha caia sobre o modelo canadiano.
Lembramos que o Ministério da Administração Interna (MAI) tinha anunciado que o comportamento do Beriev fora positivo, não obstante as críticas e limitações óbvias deste modelo, pelo que a intervenção do Ministério das Finanças, que considerou pouco compensadora a negociação dos meios aéreos ao abrigo da dívida russa, parece ter sido decisiva.
Assim, após meses de espera, o processo de aquisição destes meios, que deverá incluir quatro aviões pesados, encontra-se na estaca zero, obrigando o Governo a lançar, já algo atrasado, um concurso anual do que resultam, tipicamente, as condições de negociação menos favoráveis.
Deste concurso deve resultar a contratação de meios que complementem os dois Canadair que estão disponíveis ao abrigo de um contrato plurianual, sendo provável que o caderno de encargos aponte no sentido de um determinado modelo em função não apenas das suas caraterísticas, mas também da sua disponibilidade.
Portanto, após esta longa espera, diversos processos negociais e concursos, pouco ou nada se avançou, com a consequência de se ter perdido longos meses sem que exista uma justificação concreta para o sucedido e avançando-se agora para um processo de aquisição que se espera menos polémico do que o referente aos helicópteros.
Mesmo alegando que foram recolhidas experiências positivas, o desastroso planeamento dos testes do Be-200, a falta de cuidados de que podia ter resultado um acidente grave e o secretismo com que se tentou impedir um escrutínio público, em nada abonam a favor de um processo que continua a levantar demasiadas dúvidas e a encontrar muito poucas respostas.
A opção de não adquirir os Be-200 como contrapartida da dívida russa, algo que foi anunciado como uma vitória por parte deste Governo que, na altura, não media os elogios à actuação desta aeronave, é algo que deve ser esclarecido, mesmo aceitando que, após uma análise mais aprofundada do desempenho do Beriev e dos custos de operação e manutenção, este modelo se tenha revelado pouco compensador.
Fica-se na dúvida se, num dado momento, foi dada primazia a uma solução financeira em detrimento de uma opção técnica e táctica e mais tarde essa perspectiva foi invertida ou se, por exemplo, em resultado de uma melhor análise financeira, esta prevaleceu, independentemente das capacidades operacionais do aparelho.
Todo este processo continua, pois, a levantar questões que implicam conhecer as prioridades e os critérios que presidiram a estes avanços e recuos, sendo da maior importância conhecer as verdadeiras razões que levaram a um conjunto de decisões que podem não servir da melhor forma o interesse nacional e deixarem, mais uma vez, o dispositivo de combate a incêndios dependente de uma contratação anual e da disponibilidade das empresas que negoceiem com o Estado português o aluguer de meios.
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