terça-feira, agosto 15, 2006

Afinal, será que há menos incêndios florestais?


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Incêndio florestal

O debate relativamente a uma eventual redução no número de incêndios tem dividido especialistas, que apontam para várias possibilidades, inclusivé para o facto de esta possível diminuição ser apenas ilusória.

Por um lado, temos o envolvimento das populações, com o número de chamadas telefónicas para o serviço de alerta de incêndio, o 117, a aumentar mais de 50% este ano, quando comparadas com as de 2005.

Embora sem avançar números exactos, fonte do Serviço Nacional de Bombeiros e Protecção Civil (SNBPC) aponta a "subida muito significativa" como exemplo da "atitude mais cooperante" da população, que se traduzirá em "menos negligência e mais apoio na detecção".

No entanto, ainda há poucos dias, o ministro da Administração Interna culpava as populações pelos resultados destes primeiros dias de Agosto devido à falta de cuidados na limpeza das matas e a comportamentos negligentes, desmentindo assim a teoria do SNBPC.

As opiniões dividem-se também na análise das explicações para a resposta aparentemente mais eficaz que até agora tem sido dada para minimizar o impacto dos incêndios florestais.

O comandante nacional de operações de socorro, Gil Martins, é da opinião que as análises terão de ser feitas após o fim desta época crítica, lembrando que é prematuro fazer balanços com o mês de Agosto, que corresponde a 60% dos incêndios, ainda a meio.

Por outro, porque se sente "um conjunto de várias mudanças", mas o peso relativo de cada uma é "difícil de avaliar".

Com os efeitos da onda de calor a pairar sobre o País, olhar para anos anteriores ajuda a perceber como tudo está ainda por se decidir quanto a resultados.

Cardoso Pereira, professor do Instituto Superior de Agronomia, especializado em propagação de fogos, recorda o exemplo de 1995 "chegámos a Agosto com cerca de 15.000 hectares, mas nesse mês arderam 120.000".

Na opinião de Cardoso Pereira, as alterações legislativas e orgânicas feitas este ano poderão estar já a fazer sentir-se no terreno, mas considera ter mais peso o facto de ter ardido um 1.000.000 de hectares nos últimos três anos.

"São áreas tradicionalmente de risco mas que ainda não se renovaram. Não só não ardem, como servem de barreira a fogos que deflagram nos arredores" considera este professor.

Estes últimos dias poderão ter sido um alerta, porque "bastou haver uma subida de temperaturas para aumentar inequivocamente o número de fogos".

A análise é partilhada por Joaquim Sande Silva, professor na Escola Agrária de Coimbra, para quem é certo que também em Junho e Julho tinha havido ondas de calor, mas agora outro factor decisivo entra em jogo sob a forma da "secura acumulada dos combustíveis".

Sande Silva considera que os últimos dias, com fogos de maiores dimensões, "já começaram a revelar a fragilidade do sistema e a sua vulnerabilidade à meteorologia", facto facilmente confirmável pelos números dos últimos dias.

Duarte Caldeira, presidente da Liga dos Bombeiros Portugueses, recorre aos relatórios da Direcção-Geral de Recursos Florestais para comparar índices de risco a nível meteorológico com os de 2003, concluindo que andam relativamente próximos, para concluir que "este ano está a ser uma prova de que o sistema conseguiu aprender com os erros".

Para vários operacionais, foram importantes medidas como a colocação de oficiais de ligação das polícias e de entidades florestais nos comandos nacional e distritais de operações, o reforço de comandos profissionalizados e outros sinais de "liderança política forte" sentidos por quem está no terreno.

Embora haja alterações e um manifesto empenho político, a realidade difere do anunciado e muitas das medidas prometidas não foram implementadas, continuando a sentir-se falta de meios e equipamentos que, por diversas razões, não foram disponibilizados.

Mas se há algumas melhorias, a fórmula de cálculo é perversa e aumenta-as exponencialmente, ao basear-se numa área ardida bruta sem referência à existente.

As enormes perdas de áreas verdes, que poderão chegar a 15% das existentes há poucos anos, aumentam a gravidade de cada incêndio pelo que, objectivamente, se devia comparar não com os anos anteriores mas com a percentagem do que ainda resta.

Por outro lado, as áreas destruidas, para além de diminuirem as possibilidades de incêndio, servem de corta fogo, tal como diz Cardoso Pereira, protegendo as manchas florestais sobreviventes.

Outro factor não contabilizado é o facto de, havendo menor área de risco, a concentração dos meios pode ser feita em zonas mais restritas, aumentando em termos reais os efectivos que defendem cada uma das áreas existentes.

Deste último factor, surge uma melhoria da coordenação, dado haver menor dispersão, e uma maior facilidade em termos logísticos, de que resulta menor pressão sobre o dispositivo que, naturalmente, poderá responder com maior prontidão.

Temos, portanto, números para todos os gostos, mas, infelizmente, a fórmula de cálculo oficial é errónea, fazendo supor uma possível melhoria que, na verdade, pode não ser a que os números traduzem, pelo que se impõe substituí-la por um sistema mais eficaz, capaz de caracterizar com maior exactidão o que realmente acontece.

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