segunda-feira, novembro 27, 2006

Limitações à gestão das associações de bombeiros


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A capacidade de gestão autónoma das associações de bombeiros poderá passar a ser controlada pela futura Autoridade Nacional de Protecção Civil (ANPC), que sucederá ao actual Serviço Nacional de Bombeiros e Protecção Civil (SNBPC), sempre que estas recebam verbas atribuidas pelo Estado ou outra instituição pública.

Desta forma, o que hoje são normais actos de gestão, como a contracção de empréstimos, transação de imóveis necessitarão de aprovação por parte da ANPC, limitando em muito a autonomia financeira das associações.

A proposta do Ministério da Administração Interna (MAI) contempla também um novo sistema de financiamento, baseado em três vertentes:

1-Cooperação permanente, de apoio a missões de socorro
2-Apoio a nível de infraestruturas
3-Apoio a aquisição de equipamentos

Todas estas áreas ficam sujeitos a regulamentação a fixar por portaria do MAI, contendo mecanismos de controle muito mais apertados do que os existentes actualmente e obrigando as associações a enviar os documentos relativos a orçamento e execução ao Tribunal de Contas.

As associações que beneficiem de apoios públicos numa ou várias das áreas mencionadas, ficam também sujeitas a fiscalização por parte da ANPC e demais entidades competentes, "para verificação dos pressupostos dos benefícios respectivos e do cumprimento das obrigações daí decorrentes".

A ANPC pode ainda determinar "a realização de inquéritos, sindicâncias e inspecções à gestão das associações" e, se forem detectadas "irregularidades na aplicação ou justificação dos apoios financeiros recebidos", a associação infractora verá o programa de apoio suspenso, para além de ter que de devolver a totalidade das verbas recebidas.

Também está prevista a destituição dos órgãos sociais, por solicitação do ANPC ao Ministério Público, após o termo de um inquérito, "quando se verifique a prática reiterada pelos titulares de actos de gestão prejudiciais aos interesses da associação".

Neste caso e até que se realizem novas eleições, a proposta prevê que "pode ser nomeada pelo Tribunal uma comissão provisória de gestão", de forma semelhante ao que sucede aquando da nomeação de gestores judiciários.

É também imposto o recurso a concursos públicos a realização de obras de valor elevado ou construções, como excepções de situações de "urgência fundamentada", figura que parece ser semelhante à "resolução fundamentada" com que muitas normas legais ou decisões judiciais têm sido contornadas ou ultrapassadas.

O concurso público deve, efectivamente, ser prática corrente acima de um determinado valor, evitando assim suspeitas que por vezes surgem e aumentando a transparência de todos os processos de aquisição de bens e serviços, mas convém lembrar que, com o recurso a excepções, o exemplo que vem do próprio poder central é fraco, com uma percentagem de ajustes directos que já foi criticada pelo próprio Tribunal de Contas.

O projecto de decreto-lei prevê ainda que possam ser requisitados os bens afectos às associações e corporações através de despacho do MAI de modo a "serem utilizados por outras entidades ou por serviços oficiais, quando necessários para o cumprimento do preceituado na Lei de Bases de Protecção Civil".

Esta última possibilidade também parece gravosa, pois poderá haver meios comparticipados mas não pagos em exclusivo pelo Estado, podendo ficar assim abrangidos por esta norma.

Neste caso concreto, somos da opinião que devia haver uma "pool" de meios e equipamentos a nível nacional, propriedade da futura ANPC, que seriam atribuidos aos corpos de bombeiros via comandos distritais, sendo que os recursos seriam alocados de forma dinâmica conforme as situações.

Esta solução, para além de evitar disputas relativas à propriedade dos meios, permite reforçar corporações que deles mais necessitem, como as que neste momento enfrentam situações de cheias e que, por exemplo, poderão estar menos pressionadas na altura dos fogos florestais.

Sendo necessária a introdução de alterações, alguns dos aspectos da proposta do Governo parecem-nos perigosas e as limitações na autonomia da gestão das associações, com a possível intromissão da ANPC, podem levar ao afastamento e sócios a à perda de apoios locais, que poderão ter dificuldades em aceitar uma cada vez maior subordinação a um poder centralizado.

Uma das mais valias das associações é, para além do voluntariado dos seus elementos, o facto de as populações considerarem como "os seus bombeiros", criando assim laços de solidariedade de onde provém parte das verbas disponíveis.

A perda de autonomia pode, portanto, levar a um afastamento de que resultarão, eventualmente, maiores deificuldades de financiamento a nível local, sendo ainda incerto se eventuais reforços orçamentais por parte da ANPC compensarão uma menor contribuição por parte de quem se poderá rever menos na corporação de bombeiros das suas localidades.

Sendo impossível prever o futuro, não queremos deixar de alertar para os perigos que podem resultar destas alterações, que mesmo sendo bem intencionadas, terão consequências que devem ser desde já equacionadas.

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