segunda-feira, fevereiro 12, 2007

O que esconde a abstenção


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Este pode ser o último dos referendos

Temos abordado, por diversas vezes, questões relacionadas com o envolvimento e a participação dos cidadãos na tomada de decisões políticas, pelo que não podemos deixar passar o referendo ontem realizado sem qualquer comentário.

Mais do que os resultados, que podem ser interpretados de diversas formas, o nível de abstenção neste último referendo, que bem pode ser mesmo o último, merece alguma reflexão.

A baixissima taxa de participação dos eleitores, que alguns comentadores tentam escamotear usando argumentos que vão desde a desactualização dos cadernos eleitorais até às condições climatéricas, tem que ser analisada sob uma perspectiva mais séria e interpretada de acordo com os múltiplos sinais que os cidadãos têm enviado e a classe política teima em ignorar.

Aliás, tendo em conta os custos, na ordem dos 9.000.000 de euros e o facto de uma percentagem abaixo dos 50% resultar num resultado não vinculativo, já alguns começam a sugerir a inutilidade desta forma de consulta ou mesmo a abolição do limite que torna válido este processo.

No entanto, a falta de participação traduz, no essencial, uma mensagem clara e que se centra na desconfiança perante um sistema político em que os portugueses cada vez menos se reconhecem e diante de uma classe dirigente que protagoniza um verdadeiro autismo, demonstrando a mais completa incapacidade de escutar o sentir popular.

Se bem que esta tendência se venha a verificar desde há anos, factores como a actual perda de poder de compra, o falhanço de serviços vitais do Estado ou a perda de regalias, sentida pela esmagadora maioria dos eleitores, gera revolta e uma óbvia animosidade que tem eco da única forma que ainda é escutada, mesmo que, normalmente, erradamente interpretada.

A mensagem de divórcio entre o sistema político e os seus protagonistas e os cidadãos, acaba por ser expressa na absentenção, que, mais do que um hipotético alheamento, é um grito de revolta por parte de quem se vê sucessivamente ignorado quando tenta influenciar decisões que directamente o afectam.

É inútil dar exemplos, mas todos quantos tentaram, mesmo que em representação de uma associação, marcar uma audiência, enviar ou fazer uma proposta, contribuir com sugestões, de forma voluntária e graciosa, saberão que, a menos que beneficiem de circunstâncias excepcionais, não tiveram direito a mais do que a um vago agradecimento que traduz um rápido arquivamento do processo sem que, efectivamente, tenha sido analizado por qualquer responsável político com capacidade de decisão.

A resposta é, portanto, inevitável e traduz a indiferença recíproca entre eleitores e eleitos, que tende a transformar-se em franca hostilidade, manifestando-se com cada vez maior veemência nas poucas ocasiões em que alguém está disposto a escutar o apelo de um povo que se revolta.

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