domingo, outubro 29, 2006

Governar por decreto dá lugar ao "relevante interesse público"


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A normalidade é um conceito estatístico

Dantes era o "governar por decreto", sinónimo de falta de respeito pelas normas democráticas e como forma de imposição de algo que não seria passível de aceitação nas instâncias apropriadas ou que enfermam de deficiências formais ou processuais.

Hoje, o mesmo acontece, mas sob um nome diferente, o de resolução fundamentada, que justifica se com o interesse público e se sobrepõe a decisões de carácter administrativo por parte dos Tribunais, evitando assim o normal curso da Justiça e revogando o efeito suspensivo imposto pelas instâncias judiciais.

Perversamente, ao ultrapassar a decisão com carácter suspensivo de um Tribunal, supostamente garante da igualdade perante a Justiça, a decisão fundamentada pode tornar irreversível todo o processo, sendo que após este passo, muitas vezes, ultrapassou-se o ponto de retorno.

Esta possibilidade legal, que assume cada vez mais contornos de verdadeiro artifício que permite contornar decisões desfavoráveis, pela sua vulgarização nos mais diversos domínios da governação, tem-se vindo a alastrar a todas as instâncias que, no âmbito das suas competências, a possam utilizar.

Por outro lado, permite contornar a legislação em vigor e, por exemplo, proceder a adjudicações por ajuste directo quando um concurso público não foi lançado a tempo, mesmo sabendo-se da sua necessidade, ou quando um processo se atrasou de tal forma, por responsabilidade exclusiva dos próprio, que já não há possibilidade de seguir os trâmites legais sem um efectivo prejuizo.

O recurso a esta figura jurídica tem, portanto, servido cada vez mais como uma alternativa processual do que como um último recurso para situações imprevistas, nas quais existe uma efectiva necessidade de ultrapassar um obstáculo de última hora, razão pela qual cada vez menos o chamado "relevante interesse público" adquire o carácter excepcional que o devia caracterizar.

Entre a excepção e a regra, o uso e o abuso, aceita-se a normalidade, do que devia ser excepcional ganhando força à custa da imposição de uma figura de carácter administrativo que tende a transformar-se numa nova forma de governar.

Afinal, a normalidade é um conceito estatístico, dependente do número de ocorrências, sobre as quais não emite qualquer valor.

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