terça-feira, fevereiro 20, 2007

Até onde se deve ir para resgatar um corpo?

As tentativas de recuperação dos corpos dos desaparecidos no acidente ocorrido na Linha do Tua provocaram dois feridos entre os elementos envolvidos nas operações.

No sábado, um dos mergulhadores foi arrastado pela corrente, tendo sofrido ferimentos ligeiros e entrado em hipotermia, sendo resgatado pelo helicóptero do Serviço Nacional de Bombeiros e Protecção Civil presente no local.

No domingo, o desprendimento de uma pedra de grandes dimensões feriu outro bombeiro, num pé, tendo a vítima sido evacuada de imediato para o Hospital de Bragança.

Entretanto, para facilitar a recuperação do último corpo, foram encerradas temporariamente as barragens de Rabaçal, Tuela, Vinhais, Torga, Vale Madeiros e Mirandela, baixando assim o nível das águas, e os meios no terreno reforçados com mais 30 a 40 homens, de modo a aproveitar esta alteração do nível do rio.

Se relativamente ao encerramento das barragens, não restam dúvidas da sua utilidade, que talvez apenas peque por tardia, os dois acidentes com elementos que participavam nas operações de resgate devem ser objecto de reflexão.

Não se pode duvidar, sobretudo num País de cultura judaico-cristã, da importância de dar um enterro digno aos falecidos, nem do que representa este ritual para as famílias e amigos que sofreram uma perda desta gravidade e necessitam de por um ponto final na angústia que resulta desta tragédia, na qual o desaparecimento do corpo representa um prolongamento da dor.

Este é um princípio e um valor que não pretendemos discutir, que aceitamos e reconhecemos como sendo intrínseco da nossa cultura e do sentir nacional, mas devemos questionar até onde e que riscos se devem aceitar numa missão que visa, unicamente, recuperar um corpo.

Mesmo admitindo que existe um risco inerente à maioria das missões, sejam de salvamento, sejam de resgate, o valor da vida humana deve ser considerado como o factor de que depende o tipo de acção a empreender, sendo que, colocado no prato de uma balança, será sempre aquele que terá maior peso nas decisões a tomar.

O nível de risco aceitável numa tentativa de salvamento será, obviamente, passível de ser aceite em função do valor supremo que se pretende salvar, mas o mesmo, ainda que de forma mais moderada, poderá ser inaceitável quando os valores em causa são de outra dimensão.

Não parece aceitável, independentemente das pressões, que existam situações repetidas de risco de vida quando em causa já não está o salvamento de um ser humano, dado que mesmo o lema "vida por vida" aqui não pode ser aplicado.

Não se advoga o abandono de buscas, mas tão somente que todas as opções, como o encerremento de barragens, que sabemos terem pesadas implicações financeiras, sejam adoptadas antes de se colocar em risco elementos das equipas de resgate.

Ao inverter esta sequência, tal como sucedeu nas buscas no rio Tua, escolhe-se, mais uma vez, um valor material, correspondento ao custo de encerramento das barragens, preterindo a segurança de quem efectua buscas numa zona particularmente perigosa, onde os perigos de desabamento de terras ou de arrastamento pelas correntes são constantes.

E caso, por qualquer razão que desconheçamos e não possamos quantificar, seja impossível diminuir os riscos neste tipo de operação, então é necessário saber onde parar, na altura em que o que existe a salvar não compense o que se pode perder.

Esta decisão, que sabemos ser de extrema dificuldade e que acarreta sérias consequências, não pode ser adiada, sob pena de uma perda de vidas que todos vão considerar como sendo perdidas de forma injustificada, mas que ninguém teve a coragem de proteger adoptando critérios objectivos que valorem o que, efectivamente, não tem preço.

Por muito que custe, é necessário saber quando se deve mandar parar e para além de que limite o que era uma nobre missão se transforma no resultado da cobardia de quem não quer assumir a responsabilidade de proteger as equipas de resgate.

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