segunda-feira, março 19, 2007

Governo permite construir em área ardida


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Mais dificuldades para quem combate as chamas

O Governo alterou a lei que proibia construir, durante dez anos, em áreas florestais atingidas por incêndios, permitindo excepções sempre que considere existir interesse público

Segundo o decreto-lei n.º 55/2007, publicado em Diário da República no dia 12 deste mês, passam a existir excepções sempre que os projectos sejam considerados de "interesse público" ou "empreendimentos com relevante interesse geral".

Esta excepção depende da aprovação conjunta dos ministérios da Ambiente e da Agricultura, eventualmente em conjunto com o membro do Governo de que dependa o projecto em causa.

O processo deve ser iniciado através de um pedido junto do Ministério do Ambiente acompanhado de um documento "emitido pelo responsável máximo do posto da Guarda Nacional Republicana (GNR) da área territorialmente competente", comprovando que os responsáveis pelo projecto são alheios ao incêndio .

Este documento, a cargo da GNR, surge como incompreensível, dado que os processos de investigação de fogos florestais são da competência da Polícia Judiciária (PJ), cabendo à Guarda, através de brigadas especializadas, efectuar apenas uma investigação preliminar.

Em caso de suspeitas de fogo posto, a responsabilidade da investigação, que pode demorar meses ou mesmo anos, passa para a PJ de quem depende haver ou não um processo judicial.

No entanto, mais grave, é o facto de o reconhecimento de interesse público não carecer de um estudo ambiental, mas tão somente de uma declaração de cariz criminal por parte de uma entidade que não é responsável pela investigação dos incêndios.

Embora o Ministério do Ambiente evoque para estas alterações as dificuldades que a anterior lei levantava a projectos de importância ambiental, como os Centros Integrados de Recuperação, Valorização e Eliminação de Resíduos (CIRVER), que só poderiam iniciar-se em 2013, o abrir as portas a excepções pode ter consequências graves.

A nova lei não impõe a tipificação ou quantificação das excepções, abrindo caminho a óbvios abusos que ocorrerão sempre que o Governo evocar o "interesse público", essa figura que, actualmente, permite excepções de tal forma frequentes que se tornam em normalidade.

Assim, a nova lei parece ser feita, segundo a Quercus, "para favorecer alguns empreendimentos" e contraria a mensagem de esforço que o Governo tem tentado fazer passar na defesa da floresta, potenciando eventuais crimes com motivação económica.

Dado que provar a ligação entre um eventual incendiário e quem beneficia de um dado projecto é praticamente impossível, a nova lei vem levantar restrições que constituiam uma forma de protecção da floresta.

Com números que apontam para um cada vez maior número de incêndios considerados de origem criminosa, que aumentaram mais de 40% de 2004 para 2005, esta lei parece vir exactamente no sentido contrário ao que se esperava, a menos que esta seja uma forma de reconhecer, implicitamente, que o que se considera como de origem criminosa o tenha sido feita de forma errada.

Esta possibilidade, que já referimos, traduz-se num aumento absurdo do número de fogos de origem criminosa por haver uma tendência para classificar desta forma situações que ficam por esclarecer e que, na sua maioria, serão fruto de negligência e não de resultado de uma acção premeditada.

Tal como acontece noutras situações, em vez de melhorar os meios de investigação, de modo a que existam conclusões rigorosas em tempo útil, opta-se por modificar a lei, pondo em maior risco o património florestal que fica cada vez mais à mercê de obscuros interesses económicos.

A presente lei, que esperemos venha a ser rapidamente revista, descriminando um número limitado de excessões perfeitamente defenidas, constitui-se como uma das mais graves ameaças contra a floresta portuguesa e todos quantos dela dependem e um perigo para os que têm a missão de a proteger.

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