quinta-feira, fevereiro 23, 2006

Na dúvida, é fogo posto


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Floresta queimada, um cenário habitual

Num País onde ardeu, em 25 anos, o equivalente a um terço do território nacional, a tentativa de encontrar culpados tem conduzido a uma sobrevalorização, pela opinião pública, do peso das causas de natureza intencional, facto que referimos num texto anterior.

A primeira dúvida foi lançada por José Cardoso Pereira, professor do Instituto Superior de Agronomia, que utilizou dados de um estudo realizado em Espanha, considerados "perfeitamente extrapoláveis" para a realidade portuguesa, para mostrar a dissonância entre a percepção subjectiva que as populações têm das causas e as efectivamente apuradas.

Embora as queimadas tenham muito mais peso na origem de fogos, em Espanha como em Portugal, relativamente a situações de intencionalidade, nomeadamente económica, quando questionada sobre as causas que valoriza a população-alvo do estudo inverteu essa relação.

Segundo Cardoso Pereira há muitas ideias feitas que se têm instalado e influenciado decisões políticas incorrectas, como o caso da criminalização do uso de fogo para renovação de pastagens, que agrava o problema.

Dado que estas são práticas úteis e inculcadas em meios rurais, defende antes "o controlo e acompanhamento técnico da sua realização" e não a criminalização, de que resulta a clandestinidade e os subsquentes riscos de incêndio.

Outra dúvida lançada pelo investigador prende-se com a classificação de causas feita pela Direcção-Geral de Recursos Florestais, que com expressões como a de "causa provável" parece inflaccionar, "na dúvida", os casos de fogo posto.

Desconfiança em que foi secundado por António Carvalho, inspector da PJ, que considera haver, "por receio de imagem de incompetência do investigador", a tentação de assumir como intencionais causas indeterminadas.

Essa determinação foi, contudo, considerada essencial para definir as estratégias de prevenção criminal ou, em sentido lato, as de prevenção florestal, como alertou Luciano Lourenço, presidente da Agência para a Prevenção de Incêndios Florestais, que criticou a "falta de soluções de continuidade".

Salientando que a "eficácia da investigação depende essencialmente da rapidez", por estar muito dependente de prova material, António Carvalho defendeu o modelo americano, em que há um investigador em cada corpo de bombeiros.

A falta de meios de investigação, a pouca formação, a pressão da opinião pública e a necessidade de resultados rápidos, acabam, portanto, pela inevitável conclusão de que, na dúvida, é fogo posto.

Esta conclusão, que normalmente não corresponde à verdade, mistura sem critérios negligência, acidentes e intencionalidade, do que resultam as conclusões absurdas de que vivemos num País de incendiários onde, mais do que encontrar soluções, procuram-se culpados.

Assim, uma das possibilidades seria, como mencionou António Carvalho, formar um elemento em cada corporação de Bombeiros, que fizesse uma investigação inicial e perservasse as provas existentes, mas tal investimento deverá ser feito, provavelmente, em profissionais, de forma a ser devidamente rentabilizado.

Logicamente, caso sejam tomadas as medidas necessárias para a diminuição da incidência de fogos florestais, a própria opinião pública e a maior disponibilidade para investigação, seria suficiente para que as estatísticas dissessem algo completamente diferente, resultando uma substancial redução do número de incêndios começados deliberadamente.

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