quinta-feira, maio 03, 2007

Concursos feitos à medida


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O Beriev Be-200: um dos beneficiados

Quem acompanhe os processos de aquisição de equipamentos promovidos por entidades oficiais, já se terá certamente apercebido de que o articulado dos concursos apresenta um conjunto de exigências que tende a favorecer um dado concorrente.

Esta situação levou, por exemplo, à anulação do concurso de aquisição de armas ligeiras para as Forças Armadas, está a suscitar um pedido de impugnação no processo de compra de armas para as forças de segurança e levou a uma acção judicial contra a aquisição dos helicópteros para o Ministério da Admnistração Interna (MAI), recentemente considerado improcedente pelo Supremo Tribunal Administrativo.

No caso concreto do concurso internacional para o aluguer de meios aéreos pesados, a imposição de uma capacidade mínima de 10.000 litros a de ser anfíbio sugere a intenção de selecionar um determinado modelo através de características e não de desempenho operacional.

Analisando, primeiramente, a necessidade de ser anfíbio, tal deve-se, obviamente a uma questão relacionada com o número de locais possíveis de reabastecimento, o qual foi francamente inflacionado durante o Verão passado, incluido cursos de água e albufeiras onde era impossível encher os tanques na totalidade.

Da inclusão de pontos de reabastecimento sem os necessários cuidados, eventualmente no sentido de dar a esta aeronave uma flexibilidade que na prática não existe devido à orografia nacional, resultou o acidente da barragem da Aguieira o que demonstra que houve um planeamento pouco rigoroso e que tentou iludir a realidade.

Na verdade, seja em terra ou em água, o importante é quantos locais de abastecimento existem, contabilizados de forma realistas, e quais as distâncias a percorrer destes aos teatros de operações mais prováveis.

Também a questão do limite mínimo de 10.000 litros é uma falácia, dado que esta quantidade só faz sentido se tomarmos em conta factores tão diversos como, por exemplo, a localização dos pontos de reabastecimento e os tempos de voo, os próprios perfís de voo e a altitude a que as largadas são efectuadas, do que resulta uma maior ou menor precisão e perdas em virtude da evaporação sob o efeito das altas temperaturas.

Destes e de outros factores depende, efectivamente, a capacidade das descargas, pelo que, com base numa simulação de incêndios anteriores, os modelos a concurso deviam ser avaliados segundo a eficácia e volume das largadas e não em termos de um valor bruto cujo significado é reduzido.

Desta forma, teriamos visto com bons olhos se o concurso tivesse um outro tipo de exigências, relacionadas com os resultados e não com um conjunto de características que, supunha o MAI, fossem exclusivas de um único avião relativamente ao qual não haveria alternativa.

Dado que surgiu um segundo concorrente, para surpresa de muitos, teme-se que possa haver um tratamento desigual, de forma a que a adjudicação seja efectuada à empresa que, supostamente, iria vencer sem oposição, facto que levanta sempre suspeitas de haver a possibilidade de uma combinação prévia e que, naturalmente, não defende os interesses do Estado.

Tal como em outras situações em que existem cláusulas que apontam para um determinado concorrente, deve haver uma auditoria rigorosa a este concurso, de modo a não apenas esclarecer da sua objectividade e valia técnica, como para apurar se os valores propostos pelo que poderia ser o único concorrente, não se encontram francamente acima dos constantes de uma segunda e inesperada proposta.

Os concursos que parecem feitos à medida, para além de aparentarem uma forma de contornar regras processuais que requerem este método de adjudicação, violam princípios básicos de transparência, minando assim a confiança que os cidadãos devem ter no Estado e criando uma atmosfera propícia a tráficos de influência e trocas de favores, os quais, à custa de tanto se repetirem, acabam por ser encarados com a maior normalidade.

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