domingo, agosto 05, 2007

Alguém supervisiona os meios aéreos que combatem os fogos?


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Dromader durante uma largada

O infeliz acidente com um Dromader no combate a um incêndio florestal, para além das causas directas, não pode deixar de fazer reflectir sobre os motivos mais longínquos pelos quais se deu a queda da aeronave.

Aparentemente, não terá sido um problema técnico, dado que o avião era submetido diariamente a operações de revisão e manutenção, mas não se pode excluir que, durante a delicada manobra de aproximação, o sistema hidráulico de largada de água não tenha funcionado, impedindo a recuperação atempada da aeronave que veio a embater numa árvore.

Mas mesmo admitindo que houve uma avaria a este nível, a manobra de largada deve ser efectuada de forma a que, na eventualidade de não ser possível largar a água, ainda seja possível recuperar e evitar um embate contra obstáculos no terreno.

Aparentemente, não havia a margem de segurança que permitisse subir antes de se verificar um embate, pelo que o inevitável aconteceu com as consequências que todos conhecemos.

No entanto, esta questão levanta outra, a da experiência e do treino do piloto para operar este tipo de avião ligeiro, particularmente vulnerável a alterações súbitas de vento ou de pressão atmosférica, muito comuns em quando se sobrevoa incêndios e, sobretudo, naquelas em que o terreno é mais acidentado.

A influência destes factores, entre outros, é completamente diferente no pequeno Dromader e no muito mais pesado Canadair, que segue um perfíl de voo diferente, protegendo-o de alguns dos riscos de manobras de aproximação a muito baixa altitude ou seguindo a evolução do terreno, pelo que transpor a experiência aos comandos de um avião para o outro é, no mínimo, abusivo, podendo ser considerada como uma mera desculpa de quem tem a obrigação de supervisionar as operações.

Será exactamente na necessidade de supervisão e de acompanhamento que se encontra outra falha, que reputo de particularmente grave, pois se o piloto diz que está apto para uma dada missão, alguém deverá verificar se a sua actuação aos comandos da aeronave estão de acordo com as normas e os níveis de segurança exigíveis numa situação tão exigente e complexa como o combate a fogos florestais.

A supervisão, que deverá ser efectuada pela entidade contratante e pelos responsáveis operacionais, crendo nas declarações de testemunhas, terá manifestamente falhado, colocando em perigo de vida o piloto e quem, no solo, esteja envolvido nas operações.

Seja pela impossibilidade de substituição do piloto, seja por desleixo, por razões económicas ou por quaisquer outras, o facto é que não houve um controle da actuação que detectasse factores de risco e promovesse seja a sua correcção, seja a transferência para outro aparelho, onde o piloto em causa pudesse operar dentro de limites de risco aceitáveis.

Na próxima 2ª feira, o Gabinete de Prevenção e Investigação de Acidentes com Aeronaves, responsável pelo inquérito que se espera seja mais célere e responsabilizante do que o que a mesma entidade realizou aquando do acidente com o Beriev, cujas conclusões consideramos um completo desapontamento ao minimizar a gravidade de um incidente que só por sorte não terminou numa tragédia.

Agora, cabe-nos reflectir e interrogarmo-nos se, entre as dezenas de outros pilotos que combatem as chamas, não haverá casos semelhantes que devam ser imediatamente investigados e clarificados de forma a evitar outros acidentes ou se, mais uma vez, a culpa vai morrer solteira.

6 comentários:

E disse...

Comentando este e o post anterior, penso que:

1) Falta certificação específica dos pilotos para o combate a incêndios.
2) Faz falta um projecto comum europeu que leve a uma maior rotatividade dos recursos humanos e apuramento técnico das potencialidades das aeronaves.
3) Faltam meios de supervisão e essencialmente de fiscalização.
4) Uma mudança do cenário actual vai levar a um aumento de custos com o pessoal.
5) Desconheço se o INAC procedeu a estudos e regulamentação desta área como a FAA fez. O GPIAA originalmente fazia parte da ex-DGAC, agora INAC. Com a sua separação, ganhou autonomia mas perdeu muita eficácia. Um interessante documento encontra-se disponível aqui.
A JAA têm legislação que regula a atribuição do "Air Operations Certificate" que é indispensável para qualquer tipo de operações aéreas. Contudo, não têm nenhuma regulamentação específica (parágrafo E Special Authorization/Approvals) para actividade aérea de combate a incêndio.

Falta muito por fazer nesta área.

E disse...

Adenda:

O AOC - "Air operator certificate" - pode ser suspenso se a empresa não cumprir os regulamentos da actividade aérea, e aí deixa de poder fazer operações comerciais. A legislação europeia está acessível aqui .

Nuno Cabeçadas disse...

Olá

O aluguer de aeronaves acaba por envolver questões complexas, sobretudo quando quem tem a direcção ou o controle operacional não é quem fornece os meios que, para cúmulo, nem são próprios.

Como os contratos envolvem cláusulas de confidencialidade, nem se consegue saber com facilidade quais as responsabilidades de cada entidade envolvida.

Agora, em termos de supervisão, controle ou o que seja, parece que ninguém é responsável, embora, na minha opinião, deva caber a quem tem a direcção das operações.

Provavelmente vai-se acabar num vazio jurídico sustentado por um relatório que condena o elo mais fraco da cadeia e que já nem sequer se pode defender.

Um abraço

E disse...

Nuno,

Não se trata de vazio jurídico mas de proteccionismo nestes casos.

Uma realidade chocante:

Desde que me lembro, houve 12 acidentes aéreos no combate a incêndios florestais. 6 deles aconteceram na AeroNorte. 3 destes tiveram fatalidades.

Agora uma realidade ainda mais chocante:

Foi feito um relatório em 2006 relatando esta situação e foi pedida acção imediata pelo Ministro António Costa. O alvo visado pelo Ministro, consistia em apurar responsabilidades, tarefa que cabe ao Instituto Nacional de Aviação Civil (INAC).

O INAC lavou daí as mãos, emitindo um relatório em que dizia que "estava tudo conforme" e "a empresa prestadora dos serviços estava habilitada para o tipo de operações".

O assunto "morreu" em Abril, ainda para mais com a substituição do titular do cargo no MAI, assumindo funções Rui Pereira. Quem tinha competências para tomar acção são os responsáveis técnicos do INAC, e não o Gabinete de Prevenção e Investigação de Acidentes Aéreos (GPIAA).

O GPIAA, separado da ex-DGAC (agora INAC) após o acidente da MartinAir em Faro, não têm a capacidade de revogar ou suspender o COA - certificado de Operador Aéreo ou em inglês, AOC - passando a ser um "provedor", analisando e produzindo um relatório para consideração da entidade reguladora da actividade aérea civil e comercial em Portugal, neste caso, o INAC. Para este, para o caso do Beriev e para outros em território nacional.

Como o INAC "abafou" o caso, a AeroNorte pôde continuar as suas operações. Não sei porquê mas a culpa nasce sempre solteira - ninguém é pai dela - nestes casos que envolvem contratos de prestação de serviços com o Estado.

Que eu me lembre, houve um caso anterior, com a AeroNorte salvo erro, em que ela foi punida pela própria Protecção Civil, com suspensão do contrato, porque a fiscalização foi exercida pela entidade contratante que encontrou irregularidades e não pelo INAC.

Uma coisa é apurar o que se passou, outra é responsabilizar as operadoras aéreas e porque não os agentes e serviços do Estado. Infelizmente, a morte do piloto L.C. servirá apenas para relembrar as condições de insegurança no trabalho que estes profissionais operam.

Acho que existe muito proteccionismo, e até noto artigos inexactos que abordam estas questões, na comunicação social, promovidos de certeza por quem têm mais a perder e que querem que as coisas fiquem como estão.

Com a entrada em funcionamento da EMA, tudo o que está disperso por várias entidades, passa a estar centralizado. Curioso, os entraves à EMA foram mais internos que externos, prevendo que comece a operar em Setembro.

Nuno Cabeçadas disse...

Camarada (sem ofensa)

Com mudança de entidades, de estatutos, incapacidade de agir caso sejam apuradas responsabilidades e contratos que continuam por revelar na sua estenção, estou convencido que vai constar do relatório que a responsabilidade do acidente é do piloto.

O mais provável, até porque há seguros envolvidos, é que tudo acabe em tribunal e este exclua de qualquer responsabilidade o Estado e todas as entidades oficiais que deviam supervisonar a actividade.

O GPIAC parece-me cada vez com menor autonomia relativamente ao poder político e agora a um nível inferior em termos organizativos dentro da estrutura do Estado.

O INAC praticamente é uma entidade administrativa, cuja valia técnica parece ter vindo a diminuir.

Comissões independentes, como existem em alguns países para casos excepcionais, não existem e também não prevejo que no futuro se tome esta opção.

No fim, restam as ligações perigosas resultantes de nomeações políticas, com os mesmos a saltar de uma entidade para outra, de modo a que algo mude para que tudo possa ficar na mesma.

Um abraço

E disse...

Pois, mas tenho a opinião de que se este país levasse a segurança aérea a sério, metade das escolas de formação e companhias aéreas fechavam as portas por falta de segurança e certificações. O INAC está agora tornado numa máquina administrativa cheia de reformados da TAP.