segunda-feira, junho 25, 2007

A verdade a que não temos direito


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Depois da ocultação, a confidencialidade

Após ter sido divulgado que os contratos de aluguer de meios aéreos este ano têm uma cláusula de confidencialidade, impedindo as empresas contratadas de revelar informações, por "questões de segurança interna", o Ministério da Administração Interna (MAI) veio esclarecer os fornecedores apenas estão sujeitos a sigilo em questões relacionadas com a operação das aeronaves.

Segundo o MAI, "as empresas que fornecem esses meios estão sujeitas a uma cláusula de confidencialidade que diz respeito apenas às acções operacionais que venham a ser desenvolvidas no âmbito da actividade de segurança interna" e os contratos "podem ser facultados a qualquer órgão de comunicação social".

Para o MAI esta cláusula "destina-se a estender o dever de sigilo, a que estão sujeitos os membros das forças e serviços de segurança, às pessoas que os acompanhem no âmbito das suas missões, com o objectivo de salvaguardar essas missões e preservar as pessoas envolvidas" e garante que tal disposição "não viola, directa ou indirectamente, nenhuma norma constitucional ou legal".

Esta revisão de posição é diferente da resposta a um primeiro pedido de esclarecimento da Agência Lusa, dado que na altura o MAI declarou que "qualquer prestação de serviços ao MAI em ambiente operacional pressupõe a possibilidade de se tomar conhecimento directa ou indirectamente de informação cuja divulgação pode prejudicar o interesse público conexo com a segurança interna", do que resulta que "todos os contratos passaram a conter uma cláusula de confidencialidade".

A existência desta cláusula foi confirmada pelas empresas a quem os meios foram alugados, sendo salientado que nunca em anos anteriores houve este tipo de imposição que proiba a divulgação pública do conteúdo do contrato.

Para a Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA), sem se referir a este caso concreto, do qual não tem conhecimento, "não parece plausível que contratos com o Estado contenham este tipo de alínea", dado que o direito à informação e eventuais razões pelas quais pode ser recusado o acesso estão consagrados na própria Constituição da República.

Contactado pela Agência Lusa no sentido de comentar a decisão do MAI, o advogado Francisco Teixeira da Mota considerou que "é completamente absurda" e que o Governo "pretende instalar um regime de secretismo ou de sigilo de todo e qualquer contrato, independentemente de em concreto haver qualquer razão que justifique tal sigilo".

Igualmente, em declarações prestadas na RTP, o Prof. Marcelo Rebelo de Sousa considerou inaceitável esta prática, a qual carece de qualquer fundamentação legal, manifestando esperança de que o Governo altere esta decisão.

Recordamos que o MAI contratou o aluguer de uma dezena de helicópteros, por ajuste directo, às empresas Heliportugal, Helisul e Aeronorte pelo valor de perto de 2.000.000 de euros, de modo a substituir os que foram adquiridos à Heliportugal e cuja entrega está atrasada, facto que abordamos por considerarmos que, de acordo com o contrato, era da empresa em falta e não ao Estado a responsabilidade de fornecer meios de substituição.

Pouco tempo depois, também por ajuste directo após mais um concurso que não resultou conforme esperado, o MAI alugou dois Beriev Be-200 pelo valor de 3.900.000 de euros, na sequência de um processo feito à medida deste modelo e que levanta demasiadas dúvidas para poder ficar sem mais esclarecimentos.

Desta forma, se numa primeira fase a excepção passou a ser a norma, numa segunda, perante suspeitas cada vez mais sérias de irregularidades ou ilegalidades, passou-se a usar o mesmo "interesse público" para impor aos concorrentes cláusulas de confidencialidade, do que resulta uma ainda menor transparência dos processos.

Mesmo que o Governo alegue que a confidencialidade versa apenas a área operacional, dado estarmos no âmbito de uma actividade específica da protecção civil e não na esfera militar ou da segurança interna, este intenção é abusiva e vem ocultar eventuais falhas de planeamento e de preparação, escusando-se assim a ter que justificar opções tardias ou erradas e, possivelmente, situações mais graves como acidentes, falta de eficácia no desempenho das missões ou incapacidade operacional.

Já no ano passado, a operação do Beriev Be-200, então em testes, foi objecto de um certo secretismo que se veio a adensar após o acidente na barragem da Aguieira, tendo culminado num relatório onde falhas graves de planeamento não foram encaradas pela tutela com a gravidade que a situação justificava.

Lembramos que do relatório consta que o planeamento foi efectuado via Google Earth, que não fornece dados em tempo real e pode ter vários anos de desfasamento, facto agravado pelo facto de não revelar o nível de enchimento da albufeira, e que só após confrontação com mapas militares foram detectados erros, sendo que tal só sucedeu após o acidente de que podia ter resultado a perda da aeronave.

Este ano, após uma série de situações pouco claras de que resultaram sucessivos ajustes directos, algo que é imputável ao lançamento tardio dos concursos bem como à discutível qualidade técnica dos mesmos, do que resultam protestos e recursos hierárquicos levando à impossibilidade de serem concluidos em tempo útil, o possível atraso no planeamento das operações e na distribuição dos meios acaba por ser encoberto sob uma capa de secretismo validade pela confidencialidade imposta por uma cláusula que parece ser ilegal.

Lamentamos que após todo um conjunto de processos que levantam sérias dúvidas, em vez de esclarecer os cidadãos, a opção do Governo seja exactamente a contrária e se recorra a cláusulas contratuais abusivas, que violam o direito constitucional à informação, para esconder o que possa correr menos bem na época de fogos que se aproxima.

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