sexta-feira, novembro 02, 2007

MP diz que não há culpados pelas mortes na Luz do Sameiro


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A Luz do Sameiro junto da praia

Foi sem surpresa que recebemos a notícia de que o Ministério Público (MP) de Alcobaça decidiu pelo arquivamento do inquérito às circunstâncias do naufrágio da "Luz do Sameiro", ocorrido há dez meses, concluindo assim não haver responsabilidade criminal ou civil por parte de nenhum interveniente no processo.

Deste naufrágio, a 50 metros da praia da Légua, em Alcobaça, resultou a morte de seis pescadores desta embarcação das Caxinas, no concelho do Vila do Conde, tendo-se registado apenas um sobrevivente.

Para o MP, não existem provas suficientes de que uma operação de salvamento mais rápida pudesse ter salvo os seis pescadores que perderam a vida, sendo o naufrágio atribuido a condições atmostéricas adversas, ao local do acidente e ao pedido de socorro tardio.

A morte dos pescadores, segundo o MP, deve-se ao facto de o alerta não ter sido dado através dos meios adequados, e que o naufrágio decorre da utilização incorrecta dos equipamentos de radar e GPS da embarcação, do que resultou uma aproximação excessiva da costa e a imobilização da embaração após um cabo se ter enredado no hélice.

Também foram atribuidas responsabilidades ao facto de os pescadores não envergarem coletes de salvação nem agasalhos adequados, bem como ao estado do mar, nomeadamenrte às correntes e ondulação que se faziam sentir na altura.

O MP conclui que os atrasos se devem à não utilização de meios de comunicação estipulados para o caso, nomeadamente o rádio VHF, o telemóvel ou o recurso à activação de um sistema de rádio-baliza ou do Monicap (equipamento de monitorização das pescas).

Queremos chamar a atenção para a cronologia que publicamos na altura, onde são descritos os eventos e a hora a que estes ocorreram, bem como as conclusões que apresentamos e que, passados dez meses, consideramos manterem-se actuais.

Torna-se evidente, pela cronologia mencionada, que existiram demoras no socorro, devido à forma como este se articula, à concentração de meios em locais específicos em vez de posicionados ao longo da costa, a dificuldades de comunicação e de organização, a uma coordenação deficiente e a diversos factores conjunturais, razões só por sí suficientes para que deva haver responsabilização pelo menos a nível civil.

No entanto, mais grave ainda, é a afirmação por parte do MP de que não está provado que uma actuação mais rápida pudesse salvar estes seis pescadores, declaração essa que, efectivamente, desresponsabiliza e iliba quem quer que se atrase numa missão de socorro.

É impossível, quando se inicia uma missão de socorro, ter a certeza de que esta será bem sucedida mas, em contrapartida, podemos estar praticamente certos do resultado, normalmente trágico, que ocorrerá se esta não for efectuada.

Este argumento do MP vem em linha com o do Ministro da Saúde, na altura das morte em Odemira devido ao atraso no socorro, quando este também afirmou ser impossível de provar que uma actuação mais rápida poderia ter permitido um desfecho diferente, certo de que, após a morte da vítima, não haverá forma de provar o contrário.

Existe, manifestamente, uma restrição legal que acaba por isentar de responsabilidade ou de culpa os decisores políticos ou quem determinou o funcionamento e organização dos serviços, enquanto se penaliza quem, em termos operacionais, faz o melhor que pode para socorrer as vítimas dos acidentes, facto que acaba por limitar o campo de acção do MP.

Com a actual estrutura de socorros a náufragos, este seria um desfecho provável caso houvesse dificuldades de comunicações, sendo que os procedimentos, o tempo de activação dos meios, a distância a percorrer e tantos outros factores que determinaram este resultado e resultam de decisões erradas tomadas, tantas vezes, sem o necessário estudo e reflexão não são devidamente investigados.

Ao ver restringido o apuramento de responsabilidades à estrutura operacional, que pode ter as suas falhas mas não será onde reside o maior problema, o MP falha imediatamente no seu propósito, acabando por não poder acusar nenhum dos investigados, enquanto deixa escapar impunes aqueles que criaram um cenário onde, inevitavelmente, os actores iriam desempenhar um papel que não escolheram.

Lamentavelmente, a menos que o recurso que sabemos vir a ser intreposto tenha acolhimento, a culpa, mais uma vez, vai morrer solteira e, aparentemente, tudo está bem em termos de actuação, não obstante a perda de vidas humanas.

No fim, pelas conclusões do MP, quase poderiamos concluir que a culpa é só de quem morreu e que o pescador salvo, pela imprudência que demonstrou, bem podia ir a julgamento.

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