sexta-feira, maio 26, 2006

O fogo na comunicação social


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Um dos muitos incêndios transmitidos pela TV

A questão da transmissão de imagens de incêndios em quantidades excessivas e em directo tem sido várias vezes discutida, sobretudo na vertente em que estas podem contribuir para comportamentos criminosos.

Na verdade, não há respostas defenitivas mesmo para quem estudou o tema, como Rui Abrunhosa, docente da Universidade do Minho, que admite a insuficiência dos estudos, explicada pela "grande complexidade" do tema.

Para Rui Abrunhosa, que colaborou na investigação do perfil do incendiário iniciada em 1999, é pelas características detectadas nos indivíduos estudados que se percebe a sensibilidade do tema.

Estamos a falar de pessoas com elevados níveis de perturbações mentais, 58% da amostra, alcoolismo, também com 58%, maus tratos na família de origem, perto dos 46%, ou internamentos prévios à detenção que chega aos 23%.

"Atendendo ao perfil, são pessoas com dificuldades em entender a ilicitude dos actos e com elevada vulnerabilidade perante influências externas", explicou Rui Abrunhosa.

Depois de Cristina Soeiro, que coordena o estudo do perfil, ter alertado para a baixa incidência da piromania, entendida enquanto compulsão sem qualquer outra motivação, vários jornalistas questionaram a pertinência de se proporem mecanismos de auto-regulação, que sendo imposta poderá assumir contornos de censura à comunicação social.

Também para o inspector Carlos Farinha, da Polícia Judiciária, "temos poucos pirómanos, mas muitos incendiários", definidos como pessoas que pela sua conduta tipicamente negligente são responsáveis por grande parte dos incêndios.

Segundo este inspector, "o papel da comunicação social também é dizer que o país arde porque há condutas incorrectas", sendo portanto improvável que da transmissão de imagens resulte o aumento de fogos propositados, mesmo havendo uma óbvia tendência a considerar como de origem criminosa a maioria dos incêndios para os quais não se encontra outra causa.

Temos, no entanto, uma outra vertente que tem sido explorada da pior forma, a exposição sensacionalista das vítimas, sobretudo no respeitante a quem perdeu os seus haveres, de uma forma quase obscena que nada tem a ver com o dever de informar.

Existe uma manifesta e lamentável predisposição para passar até à exaustão imagens de quem chora, grita ou lamenta, das quais não se pode tirar nenhuma conclusão que aquelas que há muito conhecemos, e que são as trágicas consequências dos incêndios, mas que acabam por expor seres humanos, que merecem o nosso respeito e solidariedade, de forma pouco digna, instrumentalizados como meros factores de aumento de audiências.

Não consideramos que da transmissão de imagens de fogos resulte um aumento de incidências que justifique medidas restritivas, mas que toda a envolvência humana tem, forçosamente, que ser tratada com um cuidado e um respeito que até agora não se verificou, sob pena de multiplicar os traumas das vítimas, sacrificadas, quem sabe mais uma vez, a meros interesses económicos que nada têm a ver com o dever de informar e o direito de ser informado.

Igualmente grave, é a tendência para o esquecimento uma vez que se verifique que o filão dos incêndios e de todas as tragédias humanas que daí resultam deixam de garantir o nível de audiências pretendido, altura em que, encontrado um novo interesse que habitualmente coincide com o regresso das férias e o reinício da actividade política, os fogos que alimentaram os orgãos de comunicação social durante o Verão, subitamente desaparecem.

Sem recorrer a mecanismos de censura, e sabendo que a auto-regulação tem tendência a não funcionar quando as contrapartidas financeiras falam mais alto, a existência de uma entidade reguladora e de regras parece essencial para moralizar uma actividade cujo impacto social é por demais conhecido.

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